domingo, 3 de janeiro de 2010



O Que é Piedade?


Joel R. Beeke




Joel Beeke é pastor da igreja Heritage Reformed Congregation, em Grand Rapids, MI, EUA. É presidente, Deão acadêmico e catedrático de Teologia Sistemática e Homilética do Seminário Reformado Puritano. Possui Ph.D pelo seminário Westminster em Teologia Reformada e Pós-reforma. Pr. Beeke atua como preletor em diversas conferências em várias partes do mundo, inclusive o Brasil; é autor e co-autor de mais de 50 livros, alguns já em português, como o livro “Vencendo o Mundo” (Editora Fiel) e outros em processo de tradução. É casado com Mary Beeke com quem tem 3 filhos



As Institutas, escritas por João Calvino, fizeram-no receber o título de “o sistematizador preeminente da Reforma Protestante”. Com freqüência, a reputação de Calvino como um intelectual é vista separadamente do contexto pastoral e espiritual em que ele escreveu sua teologia. Para Calvino, o entendimento teológico e a verdade, a piedade e a utilidade prática são inseparáveis. Antes de tudo, a teologia lida com o conhecimento — conhecimento de Deus e de nós mesmos; mas não há conhecimento verdadeiro, onde não há piedade verdadeira.



O conceito de piedade (pietas) ensinado por Calvino se fundamentava no conhecimento de Deus, incluindo atitudes e ações direcionadas à adoração e ao serviço de Deus. Além disso, a pietas de Calvino incluía uma hoste de temas relacionados, tais como o amor nos relacionamentos humanos e o respeito à imagem de Deus nos seres humanos. Essa piedade é evidente em pessoas que reconhecem, por meio da fé experiencial, que foram aceitas em Cristo e enxertadas no corpo dEle, pela graça de Deus. Nesta “união mística”, o Senhor declara essas pessoas como pertencentes a Ele, tanto na vida como na morte. Elas se tornam povo de Deus e membros de Cristo pelo poder do Espírito Santo. Este relacionamento restaura-lhes o gozo da comunhão com Deus e recria-lhes uma nova vida. Liberta-as da escravidão ao mundanismo carnal.


O propósito deste texto é mostrar que a piedade de Calvino é uma resposta suficiente ao problema do mundanismo; seu conceito de piedade é algo que conquista o nosso coração. A piedade de Calvino é bíblica, com uma ênfase no coração mais do que na mente. A mente e o coração devem trabalhar juntos, mas o coração é mais importante.


A definição e a importância da piedade
Pietas é um dos grandes temas da teologia de Calvino. Como nos diz John T. McNeill, a teologia de Calvino é a “sua piedade descrita em profundidade”. Ele estava determinado a confinar a teologia aos limites da piedade. No prefácio dirigido ao rei Francisco I, Calvino afirma que o propósito em escrever as Institutas era “transmitir unicamente certos rudimentos pelos quais aqueles que possuem zelo pelo cristianismo podem ser moldados na verdadeira piedade [pietas]”.



Para Calvino, pietas designa a atitude correta de um homem para com Deus. É uma atitude que inclui conhecimento verdadeiro, adoração sincera, fé salvadora, temor filial, submissão e amor reverentes. Saber quem e como Deus é (teologia) envolve atitudes corretas para com Ele e fazer o que Ele deseja (piedade). Em seu primeiro catecismo, Calvino escreveu: “A verdadeira piedade consiste em um sentimento sincero que ama a Deus como Pai e O reverencia como Senhor; apropria-se de sua justiça e teme mais o ofendê-Lo do que o enfrentar a morte”. Nas Institutas, João Calvino é mais sucinto: “Chamo de piedade aquela reverência unida ao amor a Deus, o amor que é fruto do conhecimento de seus benefícios”. Esse amor e reverência para com Deus é um acompanhamento indispensável a qualquer conhecimento de Deus e abrange todos os aspectos da vida. Conforme afirmou Calvino: “Toda a vida dos crentes deve ser um tipo de prática da piedade”. O subtítulo da primeira edição das Institutas dizia: “Incluindo quase todo o resumo da piedade e qualquer coisa necessária para se conhecer a doutrina da salvação: Uma obra muito digna de ser lida por todos os zelosos por piedade”.Os comentários de Calvino também refletem a importância de pietas. Por exemplo, ele escreveu sobre 1 Timóteo 4.7-8: “Você fará algo de grade valor se, com todo o seu zelo e habilidade, se dedicar unicamente à piedade [pietas]. A piedade é o começo, o meio e o fim do viver cristão. Onde ela é completa, não há falta de nada... A conclusão é que devemos concentrar-nos, exclusivamente, na piedade, pois, uma vez que a tenhamos atingido, Deus não exige de nós qualquer outra coisa”. Comentando 2 Pedro 1.3, Calvino disse: “Quando Pedro fez menção da vida, acrescentou imediatamente a piedade [pietas], como se esta fosse a essência da vida”.


O alvo supremo da piedade: Soli Deo Gloria
O alvo da piedade, bem como de toda a vida cristã, é a glória de Deus — a glória que resplandece nos atributos de Deus, na estrutura do mundo, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. No que diz respeito a todos os que são verdadeiramente piedosos, o glorificar a Deus supera a salvação pessoal. Por isso, Calvino escreveu ao cardeal Sadoleto: “Não é uma teologia bastante saudável confinar os pensamentos de um homem a ele mesmo e não apresentar-lhe, como motivo fundamental de sua existência, o zelo pela glória de Deus... Estou convencido: não existe nenhum homem que possua a piedade verdadeira e não considere como insípida aquela extensa e laboriosa exortação em favor do zelo pela vida celestial, um zelo que o mantém totalmente dedicado a si mesmo e que não o desperta, nem mesmo por uma única expressão, a santificar o nome de Deus”.


O alvo da piedade — que Deus seja glorificado em nós — é aquilo para o que fomos criados. Portanto, o nascido de novo anela por vivenciar o propósito de sua criação original. De acordo com Calvino, o homem piedoso confessa: “Somos de Deus; vivamos e morramos para Ele. Somos de Deus; sejamos governados por sua sabedoria e vontade em todos os nossos atos. Somos de Deus; em harmonia com isso, devemos segui-Lo como nosso único objetivo lícito, em todo os aspectos de nossa vida”.


Deus redime, adota, santifica o seu povo, para que sua glória resplandeça neles e os liberte da busca pelo egoísmo ímpio. O profundo interesse do homem piedoso é Deus mesmo e suas coisas — sua Palavra, sua autoridade, seu evangelho, sua verdade. O homem piedoso tem intenso desejo de conhecer mais a Deus e de ter mais comunhão com Ele como o seu único alvo.


Mas, como glorificamos a Deus? Calvino escreveu: “Deus nos prescreveu uma maneira pela qual Ele pode ser glorificado por nós, a saber, a piedade, que consiste na obediência à sua Palavra. Aquele que ultrapassa esses limites não está honrando a Deus; pelo contrário, está desonrando-O”. A obediência à Palavra de Deus significa refugiar-se em Cristo para o perdão de nossos pecados, conhecê-Lo por meio de sua Palavra, servi-Lo com um coração repleto de amor, praticar boas obras em gratidão por sua bondade e exercitar auto-renúncia, a ponto de amar os nossos inimigos. Esta resposta envolve rendição total a Deus mesmo, à sua Palavra e à sua vontade.


Calvino disse: “Ofereço-Te meu coração, Senhor, imediata e sinceramente”. Esse é o desejo de todos os que são verdadeiramente piedosos. Contudo, esse desejo pode ser realizado apenas por meio da comunhão com Cristo e da participação nEle; pois, fora de Cristo, até a pessoa mais religiosa vive para si mesma. E apenas em Cristo os piedosos podem viver como servos voluntários, soldados leais de seu Comandante e filhos obedientes de seu Pai.

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