Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta em meia era vista pedindo esmolas ás estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos – uma das características da estatuária grega. (...)
Perguntaram a Diógenes por que pedia Esmolas ás estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondia que estava se habituando á recusa. Pedindo á quem não o via nem o sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.
É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha pra dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidades e de mais poder.
A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para mora, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das calçadas.
Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios. (...)
Carlos Heitor Cony
Folha de São Paulo, 5 Janeiro 2000
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