segunda-feira, 13 de junho de 2011

Evangelho não é religião!

Por Leonardo Morais, Jr.

Certa feita, navegando na internet e dando uma fuçada nos tópicos de um fórum de debates sobre teologia e vida cristã, deparei-me com um tópico que indagava o seguinte: Evangelho é religião? Confesso, então, que imediatamente senti-me incomodado pela curiosidade, pois desejava saber que tipo de respostas os participantes daquele fórum estavam dando a esta questão. Todavia, de uma coisa eu parecia estar certo antes mesmo de passar o ponteiro do mouse no link: seria mais uma pergunta de efeito retórico, já que, na atual conjuntura da igreja evangélica brasileira constata-se uma tendência crescente de se menosprezar, de ignorar ou de até mesmo negar radicalmente a legitimidade bíblico-teológica da igreja cristã em sua expressão formal e institucionalmente organizada. Sendo assim, não poderia a presumida intenção da pergunta ser o reflexo de um mero modismo pós-modernista, já que desde os primórdios do Cristianismo temos conhecimento da coexistência da igreja com movimentos anticlericais e anarquistas. Como exemplos históricos bem conhecidos, podemos nos lembrar de alguns grupos da chamada Reforma Radical, entre os anabatistas e, o no século XVII, dos chamados quacres . Nos nossos dias, porém, aquelas posturas e ideias não estão mais estão restritas a pequenos grupos sectários, mas já são componentes fortemente característicos da sub-cultura evangelical emergente.

Desta feita, uma dicotomia inapropriada se estabeleceu entre a religião [entenda-se, a igreja] com sua organização, dogmas, ritos e disciplina e aquilo que se concebe popularmente por “Evangelho”. Este seria, então, a expressão individual [e individualista] da fé e da espiritualidade, questão de foro íntimo e posse inalienável de cada crente na dimensão de seu engajamento devocional somente com Jesus – ou, para outros, somente com o Espírito Santo. O Evangelho, então, deixaria de ser o que é para ser propriedade privada da esfera experimental da vida dos crentes. Por isso, acredito, o termo religião – que no popular se associa mais facilmente a dogmas, ritos e estruturas – se tornou tão áspero para os ouvidos de boa parte dos evangélicos dos nossos dias.

Passando, então, a fazer uma reflexão acerca do tema daquele debate, concluí que Evangelho estritamente falando – realmente não é religião, quer esta seja compreendida como sinônimo de instituição ou credo cristãos, quer seja entendida como espiritualidade privada e “vida com Deus”; quer o primeiro seja tomado como fé ou experiência individuais, quer seja identificado com a estrutura eclesiástica ou a expressão formal do cristianismo.

Por que, então, o Evangelho não é religião? Porque o Evangelho diz respeito a boas novas, boas notícias. Ora, a que se referem boas notícias senão a fatos? Fatos??? Exatamente, fatos!!! E que fatos são esses que são considerados boas notícias? Eis a resposta: o nascimento, a vida, o exemplo, os ensinos, os feitos, o sofrimento e, sobretudo, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos! Isso é Evangelho! Esses são os fatos que dão sentido à reputação do termo como boas notícias ou boas novas!

Portanto, o Evangelho não é uma religião, definitivamente. Mas, neste ponto, alguém possa estar ainda se perguntando , “por que não?”. Então, mais uma vez, sugiro uma resposta: Porque fatos são eventos, e eventos são façanhas, coisas feitas ou processadas, acabadas... coisas que já não mais se repetem e, enfim, coisas que estão abertas à verificação pública e que, por isso, podem ser atestadas ou contestadas, comprovadas ou negadas, cridas ou duvidadas. Isso não significa que não possamos olhar, retrospectivamente, para as intervenções redentivas de Deus na História em prol da salvação do Seu povo e buscar reatualizá-las, no contexto da expressão litúrgica comunitária atual, tal como fazemos com a Páscoa ou o Pentecostes e com outros eventos comemorados no Calendário Cristão ou Litúrgico. Todavia, esses eventos não podem, por sua própria natureza, ser codificados em normas, leis, preceitos e disciplinas ou mesmo em paradigmas objetivos, pois, cada fato é um fato único. Assim, não se pode “religiosificar” (ou “religarificar”) fatos que se exaurem ou se conservam em si mesmos. Por exemplo, não se podem tornar um código de disciplina ou filosofia de vida a ida do homem à Lua (creiam ou não nesse fato! Risos...) ou o Tsunami que um dia devastou as regiões costeiras de Bali. São - ou melhor, foram - fatos que viraram notícias e que, agora, apenas podem ser debatidos ou coligidos, lidos ou interpretados, cridos ou contestados. Partindo dessa análise, fatos, tal como é o Evangelho, jamais poderão ser experimentados. Jesus, por exemplo, em nenhum momento nos instruiu ou nos incentivou a experimentarmos ou vivermos o Evangelho. Jesus jamais nos mandaria fazer o impossível, visto que Ele mesmo é tanto o sujeito, como o objeto de um fenômeno exclusivo. Por outro lado, disse-nos o Mestre: "crede no Evangelho". Eis aí a tão simples resposta que emerge de uma reflexão aparentemente rebuscada. Não podemos, entretanto, por quaisquer motivos, prescindir da Igreja, que é a mãe dos fiéis, nem da experiência e da espiritualidade cristãs em suas esferas corporativa ou privada. Isto é mais que certo. Mas é igualmente correto que ambos, a espiritualidade cristã e a “religião”, não podem ser identificadas, stricto facto, com o Evangelho. Observando a questão por essa perspectiva, não seria correto, também, confundirmos o Evangelhos com os seus resultados ou consequências. A nova vida espiritual, a justificação, a santificação o amor filial a Deus, por exemplo, são os efeitos colaterais do Evangelho e não o próprio Evangelho, como muitos de nós, protestantes ou evangélicos comumente acreditamos. O Evangelho, portanto, diz respeito a um conjunto de notícias e de fatos e encontra-se conosco ordinariamente mediante a proclamação de seu conteúdo pela pregação da Palavra e pala dramatização do seu mistério, na Eucaristia -, que é por nós apreendido pela a dádiva divina da fé. Nesse ponto o Evangelho e a existência terrena de Jesus Cristo se confundem. É no Evangelho, também, que ocorre o entrelaçamento de fatos objetivos com uma revelação subjetiva correspondente. Caracterizando desta maneira, procuramos não anular a contraparte, ou seja, aquilo que seria a resposta pessoal e subjetiva ao Evangelho, num encontro de crise específico da existência individual, como bem nos lembrou Rudolf Bultman, há algumas décadas. Todavia, o Evangelho, é completamente alienígena em sua natureza factual – porque embora se destine a nós, é algo totalmente fora de nós, como nos ensinou Lutero, há alguns séculos – nos convida apenas a crer, a confiar e a nos entregar em amor ao único e o último ser humano que foi capaz de e realizar viver aquilo que chamamos de Evangelho, a saber, Jesus de Nazaré, o filho de José, o Filho de Deus. 

Leonardo de Morais, Jr., OFA, é aspirante ao Ministério Ordenado pela Igreja Anglicana, Diocese do Recife.

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